domingo, 15 de março de 2009

Os Fins e os Meios.

É bastante provável que acabe por abordar este tema muitas vezes, ao longo desta história que vou contar-te. Espero não me tornar aborrecido. Espero que compreendas. Trata-se daquilo que me trouxe aqui.
O que faço.
Bem. Muitas coisas. Uma delas é ir às comunidades rurais de Nampula, concretamente às escolas básicas locais, para realizar distribuições de material escolar, brinquedos, sabão ou prendas que os padrinhos das crianças oferecem. Mais tarde falarei do processo subjacente ao apadrinhamento, mas mais tarde, está bem? Se eu contar tudo de uma só vez, perde a piada...
Chegamos à escola, que, se na maior parte dos casos significa uma ou duas casas feitas de lama e palha, noutros significa a sombra da maior árvore das redondezas. A escola de Makassa é uma honrosa excepção, onde, graças aos esforços de alguns, foi construída uma escola que faz jus ao nome. O Dionísio, que é o menino que está comigo na foto em baixo, é um dos felizes contemplados com a nova escola, bem como com um poço, que foi terminado na sexta-feira.
Isto dos poços é assunto muito sério. Possivelmente lá para o fim desta semana, falo-te mais sobre isso, uma vez que vamos inaugurar dois que foram financiados e mandados construir pela organização.
Bom. Então, não é complicado. No dia anterior à distribuição, lá para o fim da tarde, começamos a preparar os kits com o saco, lápis, caderno, borracha e por vezes mais qualquer coisita. Além disso, também preparamos as prendas individuais dos padrinhos.
No dia seguinte, já conheces o início, pelo menos a parte da estrada, do vento e do Sol e dessas lamechices todas. Acerca disso, poderia dar-te o lado negro da viagem. Da forma mais cínica e sarcástica que me fosse possível. Mas não vou fazê-lo. Não te vou falar das crateras na estrada nem da experiência que vais ganhando em manuseamento de veículos ligeiros quase pesados. E da consequente destreza no desvio de carros que se dirigem a ti na tua faixa, só porque a faixa deles está na verdade cortada devido a uma dessas crateras. Indianos ricos às portas das suas lojas que vendem mantas, bicicletas, chaves de fendas, bolinhos, mães de indianos, terrenos na Lua e eles próprios, pelo preço certo. Lixo por todo o lado. Pessoas a percorrerem a pé, todos os dias, dezenas de quilómetros para ganharem um euro por dia. Dezenas de "chapas" transportando quem vive mais longe da cidade.
Bom. Chegamos à comunidade. Dependendo de alguns factores (também destes falarei depois), as crianças poderão vir ou não atrás da pick-up enquanto gritam o nome da organização. Não deixa de ser algo preocupante e constrangedor. Preocupante porque aumenta a responsabilidade: se temos crianças a gritar o nosso nome e algo corre mal depois, as consequências serão tão mais graves quanto as expectativas à chegada, que eram manifestamente altas; constrangedor porque não viemos salvar ninguém de coisa alguma, apenas trazer um pequeno extra àquelas vidas tão carenciadas. Um pequeno alívio. Alívio que é um meio para alcançar e dar algo maior. Não se pense que o objectivo final é dar cadernos ou brinquedos. Pelo menos, o meu. O meu objectivo é outro.
Distribuímos o que temos, da forma mais ordeira possível, com a ajuda de um ou dois professores. O jeito é algo clínico. É um jogo perigoso: não faz sentido entregar algo a uma criança com uma expressão sisuda, mas por outro lado é preciso cautela, para não nos envolvermos demasiado.
Depois vêm os chavões, que alimentam a alma. Os olhos enormes, os sorrisos escancarados, os esgares envergonhados... São chavões, mas alimentam mesmo a alma...

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