quinta-feira, 12 de março de 2009

A Viagem.

Como bem sabes, há cerca de dois anos fiz uma despedida semelhante. No mesmo local, parti para aquela que chamei "a segunda parte". E que bem que a chamei assim.


Nestas viagens longas, que normalmente envolvem noite, vêem-se coisas espantosas, se, como eu, não se dormir com facilidade a dez quilómetros de altitude. Quero dizer, coisas espantosas vistas de cima para baixo.

Desta vez, que levantei de Frankfurt para pousar em Joanesburgo, pensei que, de outra forma, fosse um impacto semelhante ao que tive quando saí de Londres para Pequim. A verdade é que não há como a primeira vez. Claro que arrepia voar uma, duas horas seguidas e não ver uma única luz lá em baixo. Voar à noite sobre África é assim. Mas não foi o mesmo que ver as gigantescas fogueiras-farol perdidas na imensidão gelada de que te falei da outra vez. Londres à noite, a Sibéria ou o Deserto de Gobi, o meu deserto de todas as revoluções, a Outra Porta, aquela que se fechou atrás de mim quando a cruzei, foram encontros directos com a magnitude do nosso mundo. Do criado por Deus e do outro.


Chegar a Joanesburgo é chegar a África, acontecimento mítico já contado e recontado por centenas de escritores e de amadores. Porém, é um chegar algo ensosso, pois não é possível sair do aeroporto, que por sua vez é todo ele ocidental. Digo isto porque a chegada a África pede que se respire o seu ar e se sinta o seu sol na face. Em Joanesburgo só através dos olhos deixam provar África. Que já não é pouco, mas que não chega. Para ambientes condicionados e herméticos já chegou o resto da minha vida, portanto, vou deixar para depois essa parte.


Após algumas horas no dito, deixei a África do Sul, que dá pistas e aromas leves do que vai ser encontrado depois, com tanta cor que se vê nas roupas das senhoras que passam, ou nas línguas estranhas que roçam os ouvidos a todo o tempo.


O dia estava bonito, com muita luz. Contrariamente ao que me acontece sempre, desta vez tive sorte e não calhei no lugar junto à asa. O vôo Jo'burg - Maputo é bastante curto, cerca de quarenta e cinco minutos, mas é suficiente para sufocar a visão de tanto verde.


Sair do avião em Maputo é entrar numa máquina do tempo. O aeroporto, como outros em Moçambique, tem varanda para quem quiser esperar os seus entes queridos enquanto observa os aviões a partir e a chegar. Se bem que, neste caso, não houvesse mais que um avião da TAP e aquele em que eu cheguei para se ver na única pista existente.


Sair significa molhar os pulmões com uma água que permanentemente está no ar e que ainda não me saiu. Uma água quente, que se insinua persistente na pele e nos olhos no preciso instante em que se contacta com o ar africano. Em Maputo, atravessa-se a pista a pé e entra-se no terminal por uma porta estreita (a única) que ao lado tem uma pequena placa de madeira, muito velha e estragada, com a inscrição "Gate 10". Não vi os outros nove...


Como podes imaginar, nesta altura, já com vinte horas de viagem, sentia-me algo cansado. Tive de esperar longamente na sala de espera para que um funcionário do aeroporto gritasse "Nampula" e a fila para sair da sala e entrar no avião começasse a formar-se. É assim que em Maputo se faz a chamada para o "boarding". Depois, foi mais uma hora dentro do avião que, por uma razão desconhecida, não partia. Trata-se de aviões que fazem ininterruptamente a viagem Maputo-Nampula-Pemba-Nampula-Maputo, qual ryanair dos trópicos.


Ainda não deixei de estar cansado. Desde que aqui estou, a temperatura nunca baixou dos vinte e oito graus, com tanta humidade. O fim do dia significa necessidade urgente de tomar banho, sob pena de a confusão ser tanta que já nem se percebe se somos gente ou pedaços ambulantes de nhanha. Mas não te preocupes: tenho água e sabão a rodos. Excepto depois da meia-noite.

Mais duas horas, mais verde a perder de vista. E depois, por fim.
Nampula.


3 comentários:

  1. A tua escrita deslumbra e enebria os sentidos.
    Por favor não pares de escrever ...

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  2. Fizeste a viagem que sempre sonhei fazer. Tanto sonhei,tanto a sonho e quero, que só de ler-te me faz pensar entre lágrimas que também um dia a vou concretizar. Parabéns Nuno! Em África, no Cambodja, no Vietnam, na China...um dia pomos a conversa em dia. Um beijinho grande. Boli

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  3. Obrigado, Alex.

    Muitas saudades e a certeza do reencontro.

    Beijinhos.

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