sábado, 27 de junho de 2009

O Dia da (In)dependência.


Ontem celebrou-se o Dia da Independência. Dia em que Moçambique se libertou das correntes do colonialismo e em que alcançou finalmente a vitória final na guerra de libertação do povo oprimido.

Nas televisões, um corropio de eventos e declarações patrióticas. As pessoas da rua afirmam satisfeitas: sou independente.

Curioso.

Tudo isto faz interrogar-me sobre quem será pior.

Eles, porque se o repórter os deixa falar um pouco mais, dizem logo que à parte da independência, agora (trinta e quatro anos depois) só falta vencer a fome e a miséria. Só. E pôr estradas onde um carro não se parta em dois, pôr luz e água em oitenta por cento do território, fazer escolas, hospitais, pontes... A propósito de pontes, o presidente afirmou que uma enorme vitória do povo e do partido está prestes a chegar: a conclusão da construção da ponte sobre o Rio Zambeze, que permitirá finalmente ligar o país de norte a sul por estrada. Esqueceu-se de referir que são os portugueses que estão a fazê-la. Para não falar de Cabora Bassa.

(A vitória. Conseguida porque lá longe houve gente que quis acabar com a guerra. Mas aqui a versão é outra. Como em qualquer outro local, aqui a História também é contada por quem ficou, não por quem foi.)

Mas não sei quem é pior.

Nós, porque no meio desta crónica ingratidão e desavergonhada distorção da História, sobressaem os brancos que por aqui vagueiam. Uns há muito, outros há pouco. Mas que além da cor têm algo em comum: a atitude. Sobranceira, paternalista, voz forte vociferando comandos disfarçados com uns "por favores" e uns "obrigados" aqui e ali. Versões tímidas do patético capataz de fazenda que referi aqui há uns tempos a propósito da diferença do braço. Bom, mas esse ao menos era honesto e total no que dizia.
Os da cor certa têm vergonha. Ou medo. Um medo que vem do mais recôndito canto escuro da alma, que deve ter acompanhado sempre todos os povos colonizadores, todos os dias, em todos os locais: o medo indizível que um dia aquele temor reverencial que "eles" ainda hoje mostram, o maldito "sim patrão, não patrão", um dia se estatele como uma máscara cai desamparada e que a vingança por esse perpétuo jeito insidioso de mandar e de se fazer superior se abata sobre si como um leão esfaimado.
Consigo ver tão bem nos seus olhos um brilho de satisfação, de inevitabilidade fatal, quando dão uma ordem e ela é obedecida imediatamente sem uma pergunta, sem um olhar. A pequena consolação dos pequenos homens.  

Eu faço a minha parte. "Não sou teu patrão". "Não sou teu boss". "Estás a pedir-me dinheiro porquê, porque sou branco? Achas que sou rico por ser branco?". Partilho as tarefas, mesmo as pesadas. Não interrompo ninguém para que as minhas necessidades se sobreponham às dos outros. Digo e repito ao Zeferino que nós podemos ser amigos, apesar de ele dizer insistentemente que não, que somos diferentes e que eu estou acima.

Mas sinto-me como se caminhasse em cima de um tapete rolante.

Tem-me acontecido várias vezes concluir que "eles" não querem verdadeiramente o nosso apoio. Fazem questão de mostrar que só intervimos devido ao seu consentimento e que, por isso, toda a intervenção não é intervenção estrangeira, é intervenção estatal por intermédio de estrangeiros. Dificultam, burocratizam. Vejo-me várias vezes a ter de pedir ao Estado para poder ajudar. Paradoxalmente, os beneficiados, quando as coisas demoram um pouco mais ou não chegam na medida ou no modo desejados, olham-nos de soslaio e queixam-se do mau apoio prestado.

Para tapete rolante, prefiro outros, menos complicados.

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